Qual a tributação nos mútuos recebidos do exterior?

Com o atual excesso de liquidez no mundo, em boa parte decorrente de políticas econômicas expansionistas promovidas por diversos países, tem sido cada vez mais comum o ingresso de capitais estrangeiros no Brasil, ora por meio de integralização de capital social em empresas brasileiras, ora por meio da concessão de mútuos.

Neste contexto, é muito comum surgirem dúvidas quanto à incidência de tributação sobre os mútuos recebidos do exterior por empresas brasileiras.

Este post tem como intuito abordar diversos aspectos tributários e regulatórios referentes a esse tema.

Conceito de Mútuo

De acordo com o art. 586 do Código Civil, o mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis, onde o mutuário (quem recebe o empréstimo) é obrigado a restituir ao mutuante (quem concede o empréstimo) o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.

Para fins deste artigo, consideraremos a hipótese de um mútuo em dinheiro, transferido via remessa de câmbio, de um mutuante sediado no exterior para um mutuário pessoa jurídica no Brasil.

Nas operações envolvendo mútuos recebidos do exterior, é importante que seja formalizado o Contrato de Mútuo, prevendo, dentre outras cláusulas, a qualificação do mutuante e mutuário, valor do mútuo, forma de entrega e devolução dos valores, prazo do contrato, incidência (ou não) de juros, medidas aplicáveis em caso de inadimplência e o foro para dirimir controvérsias.

No caso de mútuos entre partes relacionadas, é importante observar também a legislação relativa ao Preço de Transferência (Transfer Pricing) tanto no Brasil quanto no país do mutuante, principalmente em relação à estipulação de juros sobre o mútuo.

No caso em que estamos tratando aqui, onde o mutuário é a pessoa jurídica brasileira, as regras de Transfer Pricing do Brasil não exigem uma taxa mínima de juros, podendo o contrato, portanto, prever a não incidência de juros. Por outro lado, é possível que as regras de Transfer Pricing do país do mutuante exija a incidência de uma taxa mínima de juros.

Por outro lado, as regras de Transfer Pricing do Brasil limitam a dedutibilidade dos juros para fins de IRPJ e CSLL, conforme veremos mais adiante.

Incidência de IOF

O IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) é um imposto federal instituído como instrumento de controle sobre operações de crédito, câmbio, seguro, valores mobiliários e ouro.

Via de regra, nas operações de mútuo em dinheiro realizadas entre pessoas jurídicas, incidiria o IOF-Crédito. Além disso, as operações que envolvem compra ou venda de moeda estrangeira, como é o caso dos mútuos recebidos do exterior, também incidiria o IOF-Câmbio.

No entanto, o art. 2º, § 2º, do Regulamento do IOF, exclui expressamente a incidência de IOF-Crédito nos casos de “operações de crédito externo”, mantendo somente a incidência do IOF-Câmbio em decorrência dos fechamentos de câmbio, tanto no recebimento do mútuo do exterior (venda de moeda estrangeira) quanto na devolução do mútuo (compra de moeda estrangeira).

O IOF-Câmbio será retido e recolhido pela instituição financeira que realizar o fechamento de câmbio, sendo que a alíquota será de 6% para operações com prazo médio mínimo de até 180 dias ou de 0% para operações com prazo médio mínimo superior a 180 dias.

Dessa forma, quando o mútuo recebido do exterior tiver prazo de devolução superior a 180 dias, não haverá incidência de IOF.

Outro ponto importante é que todas as operações de mútuo realizadas com não-residentes devem ser registradas no Bacen (Banco Central do Brasil) na modalidade SCE-Crédito (antigo RDE-ROF).

Conversão de mútuo em Capital Social

Posteriormente à concessão do mútuo, é possível realizar a conversão do mútuo em capital social, bastando realizar os seguintes procedimentos:

  • Promover uma alteração contratual de aumento de capital social, registrando o referido instrumento na Junta Comercial e demais órgãos do governo; e
  • Registrar uma operação simbólica de câmbio perante o Bacen, registrando simultaneamente a devolução do empréstimo e o recebimento de investimento estrangeiro direto.

Cabe destacar se a operação original de mútuo teve a incidência de 0% de IOF-Câmbio por ter prazo superior a 180 dias, a conversão do mútuo em capital social deve respeitar esse prazo. Caso contrário, se a conversão do mútuo em capital social ocorrer dentro do prazo de 180 dias, haverá a incidência de IOF-Câmbio à alíquota de 6%, acrescido de multa e juros de mora.

Conversão de AFAC em Capital Social

O Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (mais conhecido como AFAC) é um tipo de aporte de capital realizado pelos sócios com a finalidade de, posteriormente, realizar o aumento do capital social da empresa.

No entanto, quando o AFAC é realizado por um não-residente, nos deparamos com um problema prático no registro desse tipo de operação junto ao Bacen, já que as diretrizes para registro de capitais estrangeiros (Lei nº 4.131/1962 e Lei nº 11.371/2006) não preveem a existência de uma operação com a natureza de AFAC.

Dessa forma, enquanto o AFAC não for efetivamente integralizado no capital social da empresa brasileira, tal operação será declarada ao Bacen como um passivo com não-residente na modalidade “Empréstimo“.

Neste sentido, o AFAC terá o mesmo tratamento tributário do mútuo, ou seja, quando o prazo do AFAC for superior a 180 dias, não haverá tributação de IOF. No entanto, se o AFAC tiver prazo de até 180 dias, ou for convertido em capital social dentro desse prazo de 180 dias, será devido o IOF-Câmbio à alíquota de 6%, acrescido de multa e juros de mora, da mesma forma que a conversão de mútuo em capital social.

Tratamento tributário sobre os juros incorridos

Quando o Contrato de Mútuo prevê a incidência de juros, é importante ficar atendo aos diversos desdobramentos tributários relativos a esses juros.

Os juros pagos ou creditados a beneficiários residentes no exterior estão, como regra geral, sujeitos ao IRRF de 15% + IOF de 0,38%.

Já no caso de beneficiários residentes em alguns países com tributação favorecida (comumente chamados de “paraísos fiscais”), a tributação será de IRRF de 25% + IOF de 0,38%.

Em compensação, se o país do mutuante mantiver acordo de reciprocidade com o Brasil para evitar a dupla tributação, pode ser que o IRRF retido no Brasil seja compensável no imposto devido pelo mutuante no exterior.

Caso os juros incorridos no Brasil, e ainda não pagos, sejam convertidos em capital social (capitalização dos juros incorridos), tal operação também estará sujeita à incidência de IRRF e IOF.

Dedutibilidade dos juros para fins de IRPJ e CSLL

Os juros pagos ou creditados pela empresa brasileira para uma pessoa vinculada no exterior somente serão dedutíveis para fins de apuração do IRPJ e da CSLL no Lucro Real dentro dos seguintes limites:

  • Nas operações em USD com taxa prefixada – até o limite da taxa dos “títulos soberanos do Brasil emitidos em USD” + 3,5%;
  • Nas operações em BRL com taxa prefixada – até o limite da taxa dos “títulos soberanos do Brasil emitidos em BRL” + 3,5%;
  • Nos demais casos – até o limite da taxa “LIBOR para 6 meses” + 3,5%.

Além disso, de acordo com o art. 24 da Lei nº 12.249/2010, para que as despesas de juros sejam dedutíveis no Lucro Real, o valor do endividamento total com pessoas vinculadas não pode ser superior ao dobro da participação de pessoas vinculadas no Patrimônio Líquido da empresa brasileira. Esse limite deve ser computado tanto em relação a cada pessoa vinculada individualmente (limite individual) quanto ao somatório de todas as pessoas vinculadas em conjunto (limite global). Ou seja, para mútuos com pessoas vinculadas, podemos dizer que o “debt-equity ratio” é de 2:1 da dívida sobre o Patrimônio Líquido da empresa brasileira.

Caso os juros fixados no Contrato de Mútuo excedam os limites tratados acima, a parcela excedente deverá ser adicionada na apuração do IRPJ e CSLL no Lucro Real por ser considerada despesa não necessária à atividade da empresa.

Tratamento tributário sobre as variações cambiais

IRPJ e CSLL

No Lucro Real, as variações cambiais negativas ou positivas são, respectivamente, dedutíveis ou tributáveis na apuração do IRPJ e CSLL, podendo o contribuinte optar pela tributação das variações cambiais pelo regime de caixa ou competência.

Já no Lucro Presumido, as variações cambiais positivas devem ser incluídas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL enquanto as variações cambiais negativas não podem ser deduzidas. Da mesma forma, o contribuinte pode optar pela tributação pelo regime de caixa ou competência.

Via de regra, é mais segura a adoção do regime caixa, tendo em vista que as variações cambiais só serão computadas para fins tributários por ocasião da liquidação de cada operação.

PIS e COFINS

Em relação ao PIS e à COFINS, não haverá tributação, independentemente do regime tributário.

Isso porque, no Lucro Real, o art. 1° do Decreto n° 8.426/2015 reduziu a 0% as alíquotas do PIS e da COFINS sobre as variações cambiais nos empréstimos contraídos do exterior; e, no caso do Lucro Presumido, as receitas financeiras não entram na base de cálculo do PIS e da COFINS.

Conclusão

Como pudemos observar, existem diversas particularidades nas operações de mútuos recebidos do exterior por empresas brasileiras.

É importante enfatizarmos que a legislação referente a esse tema sofre constantes atualizações, motivo pelo qual é importante manter-se sempre atualizado.

Tendo isso em vista, é importante contar sempre com uma assessoria contábil especializada para evitar problemas perante o fisco.

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