[Tudo Sobre] As novas regras de tributação das offshores

Lei 14.754/23, trouxe mudanças significativas na tributação das offshores, dentre as quais podemos citar:

  • Os lucros apurados pelas offshores, a partir de 01/01/2024, serão tributados anualmente (anteriormente, a tributação era diferida para o momento de sua efetiva distribuição aos sócios);
  • Introdução de uma alíquota fixa de 15% sobre os lucros apurados (anteriormente, a tributação chegava a 27,5%);
  • Apuração anual do imposto, diretamente no programa do IRPF (anteriormente, a apuração era mensal no programa Carnê Leão);
  • Possibilidade de compensação de perdas com futuros ganhos;
  • Obrigatoriedade de elaboração das Demonstrações Financeiras da offshore, assinadas por contador legalmente habilitado no Brasil;
  • Possibilidade de dar o tratamento tributário de transparência fiscal para a offshore.

Abordarmos, a seguir, cada uma dessas novidades.

Quais tipos de empresas se enquadram no conceito de offshore?

Essa é uma ótima pergunta.

O termo “offshore” se refere a uma empresa normalmente sediada em um paraíso fiscal, mas que realiza a maior parte de suas operações fora do país ou jurisdição em que está sediada, com o objetivo de obter vantagens fiscais e sucessórias.

No entanto, a Lei 14.754/23, não utiliza o termo offshore – ela utiliza o termo entidade controlada no exterior, que é aquela cujos sócios sejam residentes no Brasil e que detenham, de forma isolada ou em conjunto com pessoas vinculadas (ex: parentes até 3º grau), mais de 50% do capital social ou do poder de voto nas decisões da empresa.

As novas regras de tributação não se aplicam a todas as entidades controladas no exterior, mas somente àquelas que se enquadram em alguma das seguintes hipóteses:

Estejam localizadas em país ou dependência com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado (comumente chamados de paraísos fiscais) OU Mais do que 40% de suas receitas totais sejam oriundas de rendas passivas (ex:
rendimentos de aplicações financeiras, juros, dividendos, aluguéis, royalties, etc.)

Nesse blog post, chamaremos esse tipo de empresa de offshore, apenas para facilitar a leitura.

Novas regras de tributação das offshores

A partir de 01/01/2024, as offshores passarão a sofrer tributação de 15% sobre os lucros apurados na contabilidade.

Ou seja, funcionará assim:

  1. O contador legalmente habilitado no Brasil elaborará as Demonstrações Financeiras da offshore, de acordo com os padrões contábeis brasileiros, apurando o lucro anual da offshore;
  2. O lucro anual da offshore será convertido para Reais, pela taxa divulgada pelo Banco Central do Brasil, em 31 de dezembro do respectivo ano;
  3. O valor em Reais será informado pelo contribuinte diretamente na Declaração de IRPF, de forma que o próprio programa apurará o imposto devido e emitirá o DARF, cujo vencimento será em 31 de maio do ano seguinte ao que os lucros se referem;
  4. Caso seja apurado um prejuízo na contabilidade, não será devido nenhum imposto naquele ano, e será possível compensá-lo com lucros apurados em anos subsequentes;
  5. Na medida em que os lucros da offshore forem sendo tributados anualmente, o contribuinte registrará, em sua Declaração de IRPF, na ficha de Bens e Direitos, um saldo de “crédito de dividendos a receber da offshore”;
  6. No momento em que a offshore distribuir os referidos dividendos (que já foram tributados), não incidirá nenhum imposto adicional (nem sobre a variação cambial).
Esse último ponto é muito importante!

Vamos supor que a contabilidade da offshore seja realizada em USD.

Observe que o lucro anual é apurado em USD, sendo convertido para Reais, pela taxa de 31/dezembro, apenas para fins de pagamento do imposto.

No entanto, pode ser que, no momento da distribuição daquele lucro aos sócios, a taxa de câmbio esteja em um patamar bem superior àquele sobre o qual incidiu o imposto.

Ou seja, não incidirá imposto sobre essa variação cambial apurada entre o momento da tributação dos lucros e o momento da sua efetiva distribuição aos sócios.

Isso quer dizer que, ao tributar anualmente os lucros da offshore, o contribuinte reserva-se o direito de retirar aquela quantia em USD, sem ter que se preocupar com a taxa de câmbio no momento da distribuição.

Como é apurado o lucro contábil da offshore?

Conforme falamos anteriormente, o contador legalmente habilitado no Brasil elaborará as Demonstrações Financeiras da offshore, de acordo com os padrões contábeis brasileiros.

Na realidade, a Lei 14.754/23 obriga o uso dos padrões contábeis brasileiros apanas para as offshores sediadas em paraísos fiscais. Do contrário, seria possível aplicar tanto os padrões internacionais de contabilidade (IFRS) quanto os padrões brasileiros – mas podemos dizer que, do ponto de vista prático, ambos os padrões são idênticos.

Resumidamente, o lucro anual da offshore consistirá no seguinte:

Receitas:
• Juros e dividendos recebidos de aplicações financeiras
• Juros recebidos sobre empréstimos
• Aumento do valor de mercado das aplicações financeiras (ainda que não realizado)

(-) Despesas:
• Diminuição do valor de mercado das aplicações financeiras (ainda que não realizado)
• Juros pagos sobre empréstimos
• Impostos pagos no exterior
• Despesas bancárias
• Despesas com o agente registrado no exterior
• Despesas administrativas (ex: assessoramento jurídico e contabilidade)

Uma dúvida comum que surge é a seguinte:

Eu tenho que pagar imposto sobre o aumento no valor de mercado das aplicações financeiras (ex: ações, bonds e fundos), ainda que eu não tenha liquidado a aplicação financeira?

Do ponto de vista puramente contábil, seria possível dar um tratamento contábil alternativo, deixando de reconhecer as variações do valor de mercado das aplicações financeiras na contabilidade (método do custo amortizado) ou reconhecendo essas variações em contas patrimoniais, sem afetar o resultado do exercício (método do valor justo por meio de outros resultados abrangentes).

No entanto, não estamos diante de um assunto puramente contábil, já que a apuração do lucro da offshore servirá de base para apurar o imposto de renda.

Vejamos qual o posicionamento da Receita Federal sobre o assunto:

Como devem ser contabilizadas as aplicações financeiras detidas por entidades offshore, segundo as regras do IFRS e do BR GAAP?

Como regra geral, as aplicações financeiras são contabilizadas a valor justo, com as contrapartidas sendo registradas no resultado do exercício, de acordo com o disposto no CPC 48 e no IFRS 9. As exceções que permitem a contabilização pelo custo amortizado ou pelo valor justo em contrapartida a outros resultados abrangentes são específicas e restritas a modelos de negócios específicos.

Fonte: Perguntas e Respostas da Lei 14.754/23

Portanto, a menos que a sua offshore possua um modelo de negócios específico, que a difere de outras offshores, nossa recomendação é que todas as aplicações financeiras sejam mensuradas pelo valor de mercado (conforme o extrato do banco/corretora), com as variações reconhecidas no resultado do exercício.

Não obstante, para aqueles que não querem pagar imposto sobre ganhos não realizados, a Lei 14.754/23 trouxe uma alternativa que consiste em apurar os resultados da offshore como se cada um dos investimentos da offshore fossem detidos diretamente pela pessoa física dos sócios, ou seja, como se a offshore fosse uma estrutura transparente do ponto de vista tributário.

Como funciona o regime de transparência fiscal para as offshores?

No capítulo anterior, tratamos da regra geral de tributação das offshores, que consiste em apurar o lucro contábil da offshore, incluindo as variações no valor de mercado das aplicações financeiras, ainda que não realizadas, que passaremos a chamar de regime de opacidade ou estrutura opaca.

A Lei 14.754/23, trouxe um regime alternativo, que chamaremos de regime de transparência ou estrutura transparente.

Nesse regime alternativo, os sócios da offshore devem declarar cada um dos ativos e passivos detidos pela offshore como se fossem detidos pela pessoa física, ou seja, como se a offshore não existisse para fins fiscais.

Essa opção deve ser exercida, de forma irrevogável e irretratável, na Declaração de IRPF 2024 (ano-calendário 2023); ou, no caso de novas offshores, na primeira Declaração de IRPF em que a offshore for declarada.

Ou seja, aqueles que optarem pelo regime de transparência, deverão refletir essa opção na Declaração de IRPF, na ficha de Bens e Direitos, substituindo a linha relativa à participação na offshore pelos ativo subjacentes, de forma individualizada (ou seja, uma linha para cada investimento, seja em ações, bonds ou fundos).

Além disso, a partir de 01/01/2024, os rendimentos produzidos por esses ativos e passivos serão tributados na medida em que forem realizados.

Ou seja, funcionará assim:

  1. Os rendimentos recebidos (ex: juros e dividendos) serão convertidos para Reais, pela taxa divulgada pelo Banco Central do Brasil, na data em que forem recebidos;
  2. Os ganhos e perdas serão apurados apenas no momento da liquidação da aplicação financeira, consistindo na diferença entre o valor de alienação (convertido para Reais na data da alienação) e o respectivo custo de aquisição;
  3. Os rendimentos, ganhos e perdas serão todos informados pelo contribuinte diretamente na Declaração de IRPF, de forma que o próprio programa apurará o imposto anual de 15% e emitirá o DARF, cujo vencimento será em 31 de maio do ano seguinte ao que os resultados se referem;
  4. Caso seja apurado um prejuízo durante o ano, não será devido nenhum imposto naquele ano, e será possível compensá-lo com lucros apurados em anos subsequentes.

Qual é mais vantajoso: regime de opacidade ou transparência?

Cada regime tem seus prós e contras.

O regime de opacidade é mais simples para controlar e para declarar no IRPF, já que o que se tributa é o lucro anual da offshore.

Esse regime também permite deduzir despesas da offshore (que o de transparência não permite). Por exemplo, as offshores que possuem alavancagem (ou seja, tomam dinheiro emprestado para investir no mercado financeiro) só conseguem deduzir as despesas de juros do empréstimo no regime de opacidade.

Há quem diga que o regime de transparência é melhor porque tem o efeito de diferir a tributação para o momento da liquidação da aplicação financeira (enquanto o regime de opacidade acaba tributando ganhos não realizados).

Isso não é necessariamente bom. Vejamos um exemplo:

Compra de uma ação por USD 100 a uma taxa de câmbio de 5,00
Venda da ação, após 5 anos, por USD 200 a uma taxa de câmbio de 7,00

Regime da opacidade:
Ano 1: Valorização de USD 20 x taxa de 5,40 x 15% = R$ 16,20
Ano 2: Valorização de USD 20 x taxa de 5,80 x 15% = R$ 17,40
Ano 3: Valorização de USD 20 x taxa de 6,20 x 15% = R$ 18,60
Ano 4: Valorização de USD 20 x taxa de 6,60 x 15% = R$ 19,80
Ano 5: Valorização de USD 20 x taxa de 7,00 x 15% = R$ 21,00
Total do imposto pago nos 5 anos = R$ 93,00

Regime da transparência:
Ano 1: R$ 0,00
Ano 2: R$ 0,00
Ano 3: R$ 0,00
Ano 4: R$ 0,00
Ano 5: (USD 200 x 7,00) – (USD 100 x 5,00) = R$ 900,00 x 15% = R$ 135,00
Total do imposto pago nos 5 anos = R$ 135,00

No exemplo hipotético acima, o regime da transparência tem o efeito de diferir a tributação, mas a um custo elevado. O imposto na transparência ficou 45% maior do que na opacidade.

Tendo em vista a tendência histórica de o Dólar se apreciar frente ao Real, quanto maior for a apreciação do Dólar, melhor será o regime da opacidade frente ao regime da transparência.

Portanto, de maneira geral, o regime de transparência tende a ser mais adequado para offshores que possuem poucos ativos e que sejam altamente voláteis e de longa duração (ex: venture capital e private equity).

Já as offshores que possuem a maior parte dos investimentos em um banco ou corretora (ex: ações, bonds e fundos), o regime de opacidade tende a ser mais adequado.

Essa é uma decisão muito pessoal e que deve ser tomada de forma consciente, com o apoio do seu assessor jurídico, do assessor financeiro e do contador.

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