Posso fazer distribuição desproporcional de lucros aos sócios?

É normal que as empresas que possuam mais de um sócio queiram distribuir seus lucros de forma desproporcional à participação de cada sócio no Capital Social.

Apenas para qualificar melhor a pergunta inicial, a dúvida das empresas não é exatamente se é possível distribuir lucros de forma desproporcional aos sócios, mas sim se essa distribuição desproporcional estaria abrangida pela isenção de imposto de renda.

Se você tem essa dúvida, acompanhe esse post até o final!

Isenção de Imposto de Renda Sobre a Distribuição de Lucros

A isenção de imposto de renda sobre a distribuição de lucros está prevista no art. 10 da Lei nº 9.249/1995, que diz o seguinte:

“Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.”

Por sua vez, a Instrução Normativa nº 1.700/2017 regulamentou essa isenção, prevendo o seguinte:

“Art. 238. Não estão sujeitos ao imposto sobre a renda os lucros e dividendos pagos ou creditados a sócios, acionistas ou titular de empresa individual, observado o disposto no Capítulo III da Instrução Normativa RFB nº 1.397, de 16 de setembro de 2013.
(…)
§ 3º A parcela dos rendimentos pagos ou creditados a sócio ou acionista ou ao titular da pessoa jurídica submetida ao regime de tributação com base no lucro real, presumido ou arbitrado, a título de lucros ou dividendos distribuídos, ainda que por conta de período-base não encerrado, que exceder o valor apurado com base na escrituração, será imputada aos lucros acumulados ou reservas de lucros de exercícios anteriores, ficando sujeita a incidência do imposto sobre a renda calculado segundo o disposto na legislação específica, com acréscimos legais.
§ 4º Inexistindo lucros acumulados ou reservas de lucros em montante suficiente, a parcela excedente será submetida à tributação nos termos do art. 61 da Lei nº 8.981, de 1995.
(…)
§ 8º Ressalvado o disposto no inciso I do § 2º, a distribuição de rendimentos a título de lucros ou dividendos que não tenham sido apurados em balanço sujeita-se à incidência do imposto sobre a renda na forma prevista no § 4º.”

Dessa forma, antes de falarmos em distribuição proporcional ou desproporcional de lucros, é importante termos certeza se os lucros que serão distribuídos foram devidamente apurados na contabilidade mediante levamento do Balanço Patrimonial e da Demonstração do Resultado.

Caso não haja lucro suficiente com base na escrituração contábil, haverá tributação de imposto de renda, ainda que a distribuição seja proporcional.

No tópicos seguintes, partiremos do pressuposto que estamos falando de distribuição de lucros devidamente apurada com base na contabilidade.

Distribuição Desproporcional de Lucros

O art. 1.007 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002) estabelece que os sócios participam dos lucros e das perdas na proporção de suas respectivas quotas, salvo estipulação em contrário. Portanto, essa regra se aplica a praticamente todos os tipos de sociedades, exceto as Sociedades Anônimas, que são regidas por outra lei.

Ou seja, a regra geral é que os lucros devem se pagos aos sócios de forma proporcional à participação de cada sócio na sociedade. No entanto, o Contrato Social pode estipular uma regra diferente, permitindo que a os lucros sejam pagos de forma desproporcional à participação de cada sócio na sociedade.

Portanto, é muito importante analisar o que o Contrato Social diz a respeito desse assunto. Se não estiver falando nada específico a respeito desse assunto, os lucros deverão ser pagos sempre de forma proporcional.

Entendimento da Receita Federal

A Receita Federal já se pronunciou por meio da Solução de Consulta nº 46/2010 no sentido de que estão abrangidos pela isenção os lucros distribuídos aos sócios de forma desproporcional à sua participação no capital social, desde que tal distribuição esteja devidamente estipulada pelas partes no Contrato Social, em conformidade com a legislação societária.

Nunca é demais enfatizar que a distribuição desproporcional, apesar de representar uma opção legalmente válida, não pode ser utilizada com a finalidade de dissimular uma outra operação que estaria sujeita à tributação, conforme prevê o art. 116 da Lei nº 5.172/1966:

“A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”

Por exemplo, vamos supor que os Sócios A e B participem, cada um, com 50% do capital de uma sociedade limitada. Em paralelo, o Sócio A aluga um imóvel para a sociedade para que esta constitua sua sede no local. No entanto, ao invés de a sociedade pagar o aluguel ao Sócio A, a sociedade decide distribuir lucros desproporcionais a favor do Sócio A para fazer jus ao aluguel que deveria ser pago. Neste caso, fica caracterizado que o rendimento de aluguel (que é tributável) está sendo transvestido na forma de distribuição desproporcional de lucros com o intuito de evitar a incidência de imposto sobre o rendimento de locação.

No entanto, existem casos muito mais subjetivos. Por exemplo, os Sócios A e B participam com 50% de uma sociedade limitada, sendo que o Sócio A trabalha em tempo integral e o Sócio B trabalha meio período. Dessa forma, eles decidem estipular em contrato que o Sócio A receberá o dobro de distribuição de lucros do que o Sócio B pelo fato de o Sócio A se dedicar mais tempo ao negócio do que o Sócio B.

Neste caso, tendo em vista que a justificativa para pagar uma distribuição desproporcional a favor do Sócio A tem como fundamento o trabalho desempenhado pelo Sócio A e, considerando ainda que, a remuneração pelo trabalho é considerada rendimento tributável (pró-labore), a Receita Federal poderia entender que o pró-labore está sendo transvestido na forma de distribuição desproporcional de lucros com o intuito evitar a incidência de imposto sobre o rendimento de pró-labore.

Portanto, é necessário que se tenha muita cautela ao estipular qualquer forma de distribuição desproporcional de lucro, sob pena de o fisco desconsiderar tal negócio jurídico e cobrar a tributação correspondente sobre os rendimentos com os devidos acréscimos legais.

Estipulação no Contrato Social

Conforme mencionamos anteriormente, para que a distribuição desproporcional de lucros seja abrangida pela isenção de imposto de renda, é necessário que o Contrato Social estipule isso de forma expressa. Segue um exemplo de redação de cláusula do Contrato Social:

“Cláusula X – O exercício social terminará em 31 de dezembro de cada ano, quando serão levantados o balanço patrimonial e o balanço de resultado econômico, e será efetuada a apuração dos resultados com observância das disposições legais aplicáveis.

§ 1º – A sociedade poderá, no curso do exercício, distribuir lucros, por conta do mesmo período, mediante levantamento de balanços intermediários, para esse fim.

§ 2º – Os lucros ou prejuízos apurados pela sociedade serão distribuídos ou suportados pelos sócios na proporção de suas respectivas participações no capital social ou através de acordo firmado entre os mesmos, distintamente de suas respectivas participações no capital social.”

Ao utilizar uma redação similar à citada acima, se os sócios decidirem realizar a distribuição desproporcional na prática, recomenda-se que seja firmado um acordo entre os sócios, preferencialmente levando-o a registro na Junta Comercial ou Cartório, de forma a torná-lo públicamente acessível.

Outra opção seria estipular a desproporcionalidade no próprio contrato social, por exemplo, determinando que o Sócio A terá direito a “X”% dos lucros distribuídos, enquanto o Sócio B terá direito a “Y”%. Esse tipo de redação, no entanto, pode “engessar” um pouco a sociedade, sendo que para modificar esse critério de distribuição seria necessária uma Alteração do Contrato Social.

Conclusão

Para que a distribuição desproporcional de lucros esteja abrangida pela isenção de imposto de renda, é necessário atender aos seguintes critérios:

  1. Os lucros devem estar devidamente apurados na contabilidade;
  2. O Contrato Social deve prever a possibilidade de distribuição desproporcional aos sócios; e
  3. Esse mecanismo não deve ser utilizado para dissimular outro tipo de operação que estaria sujeito à incidência de imposto.

Ou seja, como podemos ver, esse assunto é bastante complexo e requer uma análise individualizada de cada caso. Por isso, é importante que as empresas tenham sempre o respaldo de um bom contador e um bom advogado.

Caso tenha ficado qualquer dúvida em relação a este assunto, entre em contato com a Ozai!

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